O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio | Charles Bukowski

fevereiro 05, 2018


Eis aqui mais um título simplesmente sensacional. E não poderia ser diferente, não poderia ser melhor. O livro de “despedida” de Buk é editado em forma de diário, são recortes selecionados pelo próprio Bukowski entre 91 e 93 – Buk morreu em 94.

E o que encontramos nesses diários de um Buk já bastante velho, com problemas de saúde e mais experiente do que nunca, o que encontramos?

Encontramos Buk falando sobre as pessoas, sobre a escrita, sobre cavalos, sobre a morte, sobre arte, tecnologia, enfim.... Buk selecionou recortes dos mais variados temas, mas não espere tratados sobre nenhum desses assuntos, Buk provavelmente acabaria achando muito chato escrever um tratado sobre qualquer um desses temas – exceto sobre cavalos, é exceto sobre cavalos.

Sobre as pessoas, Buk não tinha lá grandes esperanças. A velhice veio, e depois de conhecer uma porrada de pessoas, e Buk não nutria nenhum desejo por tê-las por perto, inclusive as evitava. As pessoas são cansativas, insossas e entediantes. Buk tinha os cavalos e a bebida, para que precisava de pessoas? Obviamente Linda não entrava nesse grupo, porque já existira mulher mais compreensiva? Por incrível que pareça, Buk adorou ter um computador. Ele conseguia escrever muito mais, com facilidade para editar e corrigir. Seus pensamentos podiam fluir e o computador conseguia acompanhar.

Odiava quase toda a música, mas amava música clássica. Não gostava dos cinemas, achava tudo previsível demais. Não gostava do que lia, porque achava a maioria dos escritores um bando de covardes. Não gostava de Tolstói, nem de Shakespeare.

Mas, quero falar de O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do Navio, porque esse livro já se tornou importantíssimo para mim. Eu já li alguns livros sobre teoria literária, técnicas de escrita, mecanismos de storytelling, etc.... Mas, o que Buk nos dá nesse livro é diferente, é intenso, é apaixonado, é cru.

Ele fala da escrita de forma tão, tão, tão apaixonada e simples, quero dizer, esse livro é quase como um tratado de pau duro sobre a escrita, saca? Entende o que quero dizer? Buk não tinha meias palavras, e com seu sarcasmo, ceticismo e humor tradicionais, ele passa pelo ofício de escrever, pela relação do escritor com o texto, com o público e consigo mesmo.

Vou cita-lo, ao invés de falar sobre suas palavras, porque acho que isso os faria compreender melhor a importância desse livro para um aspirante a escritor, e também para um leito apaixonado que tem a experiência engrandecida, ao se dar de frente com um escritor tão apaixonado pelas próprias palavras, pelo próprio texto, porque quando um escritor pensa no leitor, nunca diz o que realmente quer dizer, e logo seu texto perde a razão de ser, porque o escritor escreve e o leito lê.


“…Um escritor não deve nada, exceto ao seu texto. Ele não deve nada para o leitor, exceto a disponibilidade da página impressa…”

“.... Escrever é quando voo, escrever é quando começo incêndios. Escrever é quando tiro a morte do meu bolso esquerdo, atiro-a contra a parede e a pego de volta quando rebate…”

PUTA QUE PARIU, olha isso!

“Cada nova linha é um começo e não tem nada a ver com as linhas que a precederam. Todos começamos como novos, a cada vez. E, é claro, isto não tem nada de sagrado. O Mundo pode viver muito mais facilmente sem livros do que sem encanamentos. E alguns lugares do mundo quase não têm nenhum dos dois. É claro, preferia viver sem encanamento, mas preciso dele porque estou doente.

Não há nada que impeça um homem de escrever, a não ser que ele impeça a si mesmo. Se um homem quer realmente escrever, ele o fará. A rejeição e o ridículo apenas lhe darão mais força. E quanto mais for reprimido, mais forte ele se torna, como uma massa de água forçando um dique. Não há perdas em escrever; faz seus dedos do pé rirem enquanto você dorme; faz você andar como um tigre; ilumina seus olhos e coloca você frente a frente com a Morte. Você vai morrer como um lutador, será reverenciado no interno. A sorte da palavra. Vá com ela, mande-a. Seja o palhaço nas trevas. É engraçado. É engraçado. Mais uma linha...”

Percebe?

Livro de cabeceira.

Obrigado Buk.

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