Susano Correia | Existência, Fé e Arte

junho 14, 2018

pobre homem levando seu coração de trouxa
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É evidente que toda e qualquer existência é cercada de dificuldades, desafios e derrotas. Essa é a natureza da vida. Uma série de dificuldades dispostas durante o tempo, jogando-nos de um lado para o outro, derrubando-nos e nos dando em alguns raros momentos alguns raros motivos para sorrir.

Falo sobre a vida nos dar isso ou aquilo sem ao menos acreditar em destino ou até mesmo em deus. É apenas a força do hábito. O mais interessante seria dizer que estamos sozinhos em uma jornada pela vida, lidando com as consequências das nossas escolhas e também das escolhas dos que nos cercam, sem muito controle do que está acontecendo ou vai acontecer, quase passivos diante das muitas variantes que podem se apresentar e se formar, transformando as situações, as pessoas ao redor e até a nós mesmos.

Existem várias formas de se enxergar a existência e de enfrenta-la. Os cristãos enxergam tudo isso através do prisma divino. Creem que há um deus por trás de tudo isso, alguém soberano, forte e poderoso, capaz de protege-los e sabiamente guia-los. Essa crença, naturalmente, reduz o número de pânicos e incertezas, tendo em vista que a aceitação da fé traz consigo uma infinidade de garantias que estão guardadas sob esse suposto deus soberano.

Um cético, por outro lado, quando se desassocia do pensamento teísta se depara com um outro universo de possibilidades. Quando deus não está no jogo, não restam muitas certezas além da morte e do fim literal da existência, enquanto corpo e enquanto “alma”. Existem vantagens e desvantagens óbvias no ceticismo, bem como no teísmo. Como não creio na existência de um deus, vejo quase todas as vantagens do teísmo como enganosas, mas sem entrar nesse mérito, o ceticismo dá liberdade, porque ao entender-se sozinho, acabam-se as responsabilidades para com um ser eterno com poder suficiente para decidir o rumo de sua vida. Liberta-se de muitas amarras morais claramente retrógradas, preconceitos e estimula-se, de certa forma, o pensamento crítico para se tomar decisões com base em suas experiências e convicções, eliminando um livro sagrado que te direciona por caminhos pré-determinados. Como eu disse, existem vantagens e desvantagens. Talvez, viver alimentando a crença em um deus supremo não nos desse tanto espaço para o sofrimento ou desesperança. Talvez essa crença nos elimine certas dores, nos deixe mais relaxados com respeito a certas injustiças e mais tranquilos com relação a essa vida, tendo em vista que deus supostamente está no controle e supostamente dará uma boa vida eterna a todos os que depositarem sua fé nele.

Eu estou usando a religião como um exemplo. Estou falando sobre existência. Formas de enxerga-la e formas de enfrenta-la, apenas isso.

Quero dizer, simplesmente, que a existência é confusa e via de regra, extremamente dura. As incertezas, medos, angustias, pressões, ansiedades, dúvidas, todos esses elementos costumam ser muito presentes na vida da maioria das pessoas. Pensando principalmente nos tempos em que vivemos, é fácil notar como todos estão sempre correndo atrás de algo, pressionados aqui e ali, por outros e muitas vezes por si mesmos. A existência, portanto, costuma ser uma experiência um tanto quanto angustiante.
homem em sua solidão superpovoada
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A Arte acaba manifestando muito dessa angustia, justamente por ser realizada por pessoas sujeitas a tais pressões, incertezas etc..... Nesse sentido, em muitos momentos nós encontramos na arte, alento, representação e as vezes mais angustia.

Artistas lidam com esses elementos existênciais de diversas formas. Como escritor lido com essas questões diariamente e sou afetado constantemente por elas. Como alguém que ama o trabalho que faz, a arte que faz, luto constantemente com essas questões para absorver e transformar essas angustias em novos textos que ora provoquem, ora questionem, ora ofereçam alento e ora perturbem. Me vejo, de certa forma, como um catalisador dessas angustias e em determinados momentos como um refletor, as vezes como um filtro e as vezes como uma esponja. Quando se expõem e se abre para esse misto de sensações, se está sujeito à diversas reações emocionais, psicológicas e até físicas.

homem lembrando-se de sorrir, no último segundo
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Por que quando estamos tristes tentamos ouvir uma música animada? Por que quando estamos tristes escutamos uma música ainda mais triste? Por que gostamos tanto de comédias românticas ou de dramas? Por que gostamos de obras de arte que contenham um tom questionador? Entende? O modo como consumimos arte, de forma ativa, muitas vezes ou quase sempre é direcionado pelo nosso estado emocional e psicológico. Outra vez, as reações são várias para vários estímulos e lembrando da pessoalidade de cada ser, não há como encontrar uma regra que consiga colocar-nos todos num mesmo ponto. Nisso a arte e as pessoas são iguais.

As pessoas reagem aos estímulos de formas diferentes, bem como a arte possuí suas várias interpretações.

Há pouco mais de um ano eu conheci Susano Correia, um artista extremamente talentoso que consegue trabalhar muito bem em sua arte, todos esses dilemas e questões que caracterizam a existência humana. Eu não conheço Susano intimamente, mas julgando pela minha própria experiência como escritor, acredito que essas questões e dilemas façam parte da rotina dele de forma bastante marcante. Talvez ele goste de enfrenta-las, talvez seja “assombrado” por elas, talvez seja confrontado vez ou outra por essas incertezas e medos naturais da vida. Isso é só uma especulação, evidentemente. Não tenho como saber de onde vem sua inspiração, mas com base nas obras que conheço do artista, fica claro esse fenômeno de reflexão, de provocação e de expiração.

Quando vejo uma obra de Susano sempre me questiono sobre a natureza dessa inspiração ou sobre quais questões guiaram esses traços marcantes e formaram essa obra que muitas vezes carrega dor, carrega uma busca por auto compreensão, carrega ansiedade ou arrependimento. Penso sobre isso, porque quando sinto que há uma história a ser contada, sempre consigo chegar a um ponto inicial, consigo encontrar um lugar onde essa história surgiu. Seja de um fetiche, de um medo, de uma ansiedade, do passado ou de uma especulação sobre o futuro. Sempre há um ponto de nascimento da ideia, um ponto onde a inspiração se apoia para florescer e pensando no trabalho de Susano, esses pontos sempre parecem ser tão interessantes quanto a própria obra em si.

Pensando sobre o trabalho de Susano, esse elemento introspectivo e humano se mostra recorrentemente. Quando penso nas inúmeras obras que promovem uma reflexão sobre o homem mergulhando em si mesmo, o homem olhando para si próprio, o homem se quebrando para se encontrar, esse caráter extremamente introspectivo no trabalho de Susano fica evidente, e aqui a arte surge outra vez como uma manifestação existencial, o transbordar de questões e angustias, que possivelmente não afetam o artista diretamente, mas que ele, sabiamente, consegue expor com naturalidade e doçura, expondo justamente essas ânsias e muitas vezes nos expondo ao ridículo com uma obra cheia de sarcasmo e humor.
homem preso do lado de fora de si
homem preso do lado de fora de si

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A existência é uma grande confusão, não temos grandes certezas e se eliminarmos deus da partida, não nos resta nada além da morte. De certa forma, esse pensamento é aterrador e de certa forma bastante libertador. Pensando em como somos o tempo inteiro cercados de uma infinidade de variantes, enxergamos a existência de formas diferentes a cada dia. Não que tenhamos fé num dia e noutro não, mas enxergamos a existência de uma forma positiva e negativa a cada dia, a cada novo contato, a cada nova interferência externa sobre nós. O Ser Humano, quase pressupõe essa maleabilidade, principalmente quando pensamos na natureza dos afetos e sentimentos. De como nos enchemos de esperanças por nada e nos decepcionamos por nada, ou em outro momento somos quase impassíveis de sentimento. O que isso tudo significa é que basicamente somos seres em constantes mutações, mantendo um padrão de existência por momentos ínfimos. Mesmo que tenhamos personalidade, caráter e uma forma regular de se mostrar ao mundo, na realidade não existe um padrão existencial sincero. Quando olhamos para dentro de nós mesmos, raramente encontramos os mesmos elementos dispostos da mesma forma.

Quando pensamos no “personagem” criado por Susano, o homem que protagoniza a maioria de suas obras, talvez encontremos um retrato extremamente sincero da nossa existência sob a pele. Há sempre melancolia nos olhos, um estado de ansiedade constante, pela próxima crise ou pela próxima alegria. E eu amo que esse homem não tenha a nossa força exata, mas que possua essa deformidade que causa estranhamento. É quase como se Susano, conhecendo a natureza provocativa de sua arte, nos desse um elemento de respiro, algo que talvez, num primeiro momento, causasse um distanciamento do homem que está se destruindo para se encontrar. Entende? Como se esse estranhamento tivesse como objetivo nos dar um respiro, diante da provocação que há na arte e diante das nossas próprias projeções e angustias.

Mas ainda sobre o homem e sobre essa deformação em sua cabeça, eu gosto de pensa-lo como uma representação do nosso interior. As vezes até penso que as obras de Susano são sobre o interior de um homem que exteriormente é “normal”, digo, não teme esse formato triangular no topo da cabeça. Penso que Susano retrata em sua arte o que vê com seus olhos que enxergam sob a pele, algo como a representação das emoções e pensamentos. Das dúvidas, descrenças, esperanças, medos e angustias.

Outro elemento de introspecção que me fascina na obra de Susano, é que em quase todos os seus trabalhos que tem o homem como “protagonista”, há um foco artístico e reflexivo na cabeça do homem e no peito do homem. Quase nunca vimos em seus trabalhos o homem de corpo inteiro, dos pés à cabeça. Penso eu que isso se deva justamente a entendermos o coração e a mente como a sede desses questionamentos existenciais, angustias e dores. É no pensamento que ocorrem as batalhas sobre quem somos e quem queremos ser. É o coração que tapa a garganta na angustia, é o coração que bate acelerado durante uma paixão, é o coração que se parte quando um relacionamento termina.



homem procurando um lugar para se esconder de si, em si

A obra de Susano é extremamente introspectiva em si mesma, nos traços, na ideia, na representação, mas como se isso não bastasse, há ainda mais da sensibilidade desse artista talentosíssimo transbordando em nossa direção. Quando você observa a obra e começa a tecer suas impressões, lê a legenda e fica ainda mais tomado por essas reflexões profundas, provocadoras e sobretudo belas, porque com poucas palavras Susano descreve sua obra, dando-nos uma interpretação quase óbvia, mas que disposta de forma simples − sempre simples −, com letras minúsculas, discretas e diretas, não nos roubam a graça da arte e a liberdade de a enxergarmos como bem quisermos, mas deixam um elemento poético bastante sutil.

Outra vez digo que não o conheço intimamente, logo essa reflexão e esses pensamentos não passam de especulações e impressões pessoais de sua obra. Mas, partindo para o final, vejo-me quase sempre diante dessas mesmas questões existenciais que por vezes acabam por ditar nosso ritmo. Quase sempre me vejo diante delas na hora de escrever, quando encaro a página em branco do word, quando estou no banho ou quando vejo uma nova obra de Susano. Confesso que gosto de todas essas questões, até por ter durante quase três anos aberto mão completamente dessas reflexões. Confesso também que sou muito afetado pelas respostas que dou a essas perguntas. A existência continua não sendo fácil, mas entre negar a reflexão e aceitar uma existência vaga e vazia, escolho a dor e as crises, pelo tesão de pensar, pelo tesão de escrever, pelo tesão de me sentir extremamente humano quando me entristeço, quando estou melancólico e principalmente quando estou feliz, porque na felicidade enxergo-me tendo ótimos momentos de respiro e então aproveito esses momentos como uma criança inocente, valorizo-os ainda mais.

Susano é um dos artistas mais fascinantes que conheço, um dos melhores do Brasil. Recorrentemente me debruço sobre seu trabalho para aprender, para apreciar e para refletir sobre nossa existência confusa, mas real e intensa, parafraseando Mano Brown.

eu transbordo eu

Espero que a obra de Susano também converse contigo. Espero que tenha gostado do texto e da reflexão. Espero seu comentário, para conversarmos ainda mais sobre essas questões.

Um abraço e até a próxima. Boas reflexões existenciais a todos.

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Enfim, infelizmente não tenho nenhum de seus livros, então conheçam melhor o trabalho dele e comprem suas obras, porque não resta duvida de que vale muito a pena.



homem com profunda sede de si

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