Onde andará Dulce Veiga? | Caio Fernando Abreu

janeiro 10, 2018


Narrado em primeira pessoa, ‘’Onde andará Dulce Veiga?’’ É um romance escrito em 1990 por Caio Fernando Abreu, onde nos é contada a história de um jornalista fracassado e aparentemente sem perspectiva que se vê envolvido diante do mistério que ronda o desaparecimento de Dulce Veiga, famosa cantora de sua época, atualmente desaparecida há 20 anos.

Estamos diante de uma São Paulo caótica pós-ditadura, rodeada por habitantes vestidos de excessos de: dúvidas, receios, dramas, tristeza, caos. Aparentemente algumas coisas nunca mudam. Seguimos.

O personagem principal é um tanto quanto singular, mas não. É curioso que em momento algum é citado seu nome, talvez para que aja identificação do leitor. Fato inclusive inevitável, visto que é um personagem perturbado pela pressão social, por seu ‘’fracasso’’ profissional, por carregar consigo amores perdidos, desejos inalcançáveis e uma falta de perspectiva que pode se confundir com tédio existencial.

''Há tanto tempo eu não jantava fora. Era como ir ao cinema. Mesa no canto, azeitonas pretas sem caroço, pão com gergelim, patê de berinjela, bloody mary. Um, dois Cigarros. [...] Elis Regina numa FM suave, sentimental eu fico, quando pouso na mesa de um bar, eu sou um lobo cansado, carente.'' (pág. 108)

Ao arranjar o emprego o livro inicia de fato, pois personagens com as mais variadas características irão aparecer, desde: gays, bissexuais, umbandistas, drogados, estrelas da música e etc. É também o momento em que os mais atentos identificarão o quão sensível é o livro e sua respectiva proposta. É também aonde provavelmente todos irão se identificar: do pessimista ao otimista, cabe geral. São Paulo é grande.

A perseguição que envolve Dulce Veiga flerta com um romance policial, no entanto há de se pontuar que o criminoso (se é que existe) é intangível, é subjetivo. Dulce é a representação da felicidade, seja qual for a sua definição para tal.  Apesar de subjetiva, torna-se paradoxalmente objetiva, visto que junto com a morte, uma das certezas da vida é que a felicidade não vem e é linear em nossas vidas, quiçá nos dias. Logo, Dulce é a esperança. Dulce é a idealização do desejo e fome de respostas.

''Ia para encher o tanque redondo entupido de copos de plástico, pedaços de jornal, camisinhas usadas, pontas de cigarro, um querubim no meio do lixo. 
Eu deveria ter voltado, para telefonar ou descer a ladeira até encontrar um táxi, cruzar a cidade o mais rápido que pudesse enfrentar Rafic, a fera muçulmana disposta a fazer um quibe cru dos meus colhões. Mas irracional, irresponsável, atravessei a rua atrás dela...'' (pág. 98)

Ao descrevê-la o personagem não poupa elogios e ao compartilhar informações de outras pessoas que fizeram parte de sua vida, conclui-se que, primeiro: ela encantou tudo e todos. Segundo: ela é tão perdida quanto os que a querem procurar.

Não saber com exatidão o que é necessário para se preencher ao mesmo tempo em que a suposta solução não tem o gabarito, ou melhor dizendo, nem sabe que é o gabarito, talvez seja a mais digna e singela representação da juventude (por que não geração?) afogada pela ansiedade, seduzida pela busca de um sentido pela vida, tido como fundamental, mas que pode não ser essencial.

'' - São tudo histórias, menino. A história que está sendo contada, cada um a transforma em outra, na história que quiser. Escolha, entre todas elas, aquela que seu coração mais gostar, e persiga-a até o fim do mundo. Mesmo que ninguém compreenda, como se fosse um combate. Um bom combate, o melhor de todos, o único que vale a pena. O resto é engano, meu filho, é perdição.''  (pág. 204)

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