Crônica de um Amor Louco | Charles Bukowski

janeiro 12, 2018


Crônica de um amor louco, Ereções, Ejaculações e exibicionismos – Parte 1.

Porra... Eu amo esse título! “Crônica de um amor louco”, porra.... Olha pra isso, quero dizer, veja o quão belo é o título per si, a poesia desse arranjo. O título, aliado ao subtítulo - Ereções, Ejaculações, Exibicionismos -, representam com uma elegância típica do grande Bukowski, o assunto, a temática, enfim, representar o conteúdo desse belíssimo livro.

É isso o que você vai encontrar nessas 30 ou 31 crônicas. Amores intensos, insanos, imprevisíveis. Amores de uma noite, de uma semana, de uma foda. Amores perigosos, problemáticos e loucos.

“A mulher mais linda da cidade”, por exemplo, é a crônica que inaugura o livro, e puta merda. Não poderíamos começar melhor. A crônica é simplesmente BRILHANTE, inclusive foi adaptada para o cinema em 81 por Marco Ferreri. A crônica conta a história de Cass, uma mestiça índia que passou a adolescência em um convento, e quando saiu se juntou as suas outras 4 irmãs. Cass, era a mais bonita dentre as irmãs e a mais bela moça da cidade. Sua beleza no auge de seus 20 anos, era simplesmente estonteante. Era exótica. Única.

A crônica é extremamente humana, do inicio ao fim.

Primeiro nós lemos Cass, revoltada contra si mesma por ser bela demais, triste com os outros por se aproximarem dela por sua beleza - e somente por isso -, lemos Cass se mutilando para acabar com a beleza que a impede de ser reconhecida por quem é de fato, lemos um Buk preocupado, mas não tanto, e por fim lemos um Buk derrotado, saindo do bar em que normalmente encontrava Cass, após ser avisado de que ela cometera suicídio há uma semana.

“Bebi até a hora de fechar. Cass a mais bela das 5 irmãs, a mais linda mulher da cidade. Consegui ir dirigindo até onde morava. Não parava de pensar. Deveria ter insistido para que ficasse comigo em vez de aceitar aquele "não". Todo o seu jeito era de quem gostava de mim. Eu é que simplesmente tinha bancado o durão, decerto por preguiça por ser desligado demais. Merecia a minha morte e a dela. Era um cão. Não, para que por a culpa nos cães? Levantei, encontrei uma garrafa de vinho e bebi quase inteira. Cass, a garota mais linda da cidade, morta aos vinte anos. Lá fora, na rua, alguém buzinou dentro de um carro. Uma buzina fortíssima, insistente. Bati a garrafa com força e gritei:
 - MERDA! PÁRA COM ISSO, SEU FILHO DA PUTA!
A noite foi ficando cada vez mais escura e eu não podia mais fazer nada.”

É lindo ver como em poucas páginas, Buk explode em sentimentos, emoções, conflitos e arrependimentos. É o que eu costumo dizer para as pessoas quando nos dispomos a falar sobre Bukoswki:
Ele tinha uma sensibilidade que fica escondida nas palavras rudes, mas ela está lá o tempo todo, por trás de cada cu, buceta, pau, piça. Buk era imenso em sentimentos, ele transbordava, e foda-se que parece clichê.

Todas as crônicas possuem a análise particular de Buk sobre o mundo, sobre a sociedade, e principalmente sobre as pessoas. É um dom tão particular e tão belo, quero dizer, para um escritor, ler as pessoas da forma como Buk lia, porra, isso é lindo e enlouquecedor, tudo ao mesmo tempo.

“ O espremedor de culhões “ é uma crítica social belíssima e muito visual. É a história de uma empresa, uma agência de empregos. Existem dezenas de homens presos em ganchos, tal como num açougue. Quando a agência recebe um telefonema solicitando um funcionário para o serviço X, eles correm  e passam um daqueles homens no espremedor, até que o homem fique sem os culhões.
O resultado de 4 ou 5 voltas – para os sujeitos mais durões – era perfeito. O homem que tinha convicções, posições e certezas antes de entrar na máquina, saía absolutamente renovado, pronto para a sociedade, pronto para ser o funcionário perfeito.
“- Herman? - chama Bagley.
- Sim, chefe.
- O que é que está sentindo? Ou melhor, como se sente?
- Não sinto absolutamente nada chefe.
- Você gosta de tiras?
- Tiras não, chefe - polícias. Eles são vitimas da nossa maldade, embora
às vezes nos protejam atirando, prendendo, espancando e multando a
gente. Não existe essa história de que não há tira que preste aliás,
polícia, desculpe. Já imaginou se não houvesse polícia? A gente teria
que impor a lei com as nossas próprias mãos.
- E aí, o que ia acontecer?
- Nunca parei pra pensar, chefe.
- Ótimo. Acredita em Deus?
- Ah, claro que sim chefe. Em Deus, Pátria, Família, Tradição. E no
trabalho honesto.
- Puta que pariu!
- Como disse chefe?
- Não. Nada. Agora, escuta aqui, você gosta de fazer serão?
- Ah, claro que sim, chefe! Gostaria de trabalhar 7 dias por semana, se
possível. E de ter 2 empregos se pudesse.
- Por quê?
- Por causa do dinheiro, chefe. Pra comprar TV a cores, carro novo, dar
entrada pra casa própria, pijama de seda, 2 cachorros, barbeador
elétrico, seguro de vida, assistência médica, ah, tudo quanto é tipo de
seguro, educação escolar para os meus filhos, se eu tiver, porta
automática na garagem, roupas finas, sapatos de 45 dólares, câmeras,
relógio de pulso, anéis, lavadora automática, geladeira, poltronas e
camas novas, forração de carpete em todas as peças, donativos pra
igreja, aquecimento central e...
- Tá legal. Chega. Agora, quando é que pretende usar todos esses
troços?
- Não estou entendendo, chefe.
- Quero dizer, se você trabalhar dia e noite ainda fizer serão, que tempo
te sobra pra aproveitar todo esse luxo?
- Ah, esse dia há de chegar, chefe, ele há de chegar!
- E não acha que teus filhos um dia hão de crescer e julgar que você foi
um trouxa?
- Depois de ter me esfolado vivo por causa deles, chefe? Claro que não!
- Maravilha. Agora, só mais algumas perguntas.
- Pois não, chefe.
- Não acha que toda essa escravidão permanente é prejudicial pra saúde
e pro espírito, pra alma, se quiser...?
- Ah, pô, se eu não ficasse trabalhando o tempo todo, ia acabar sentado
por aí, bebendo, pintando quadros a óleo, fodendo, indo ao circo ou no
parque pra ver os patos. Coisas desse gênero.
- Não acha que ficar sentado no parque, olhando para os patos, pode
ser muito agradável?
- Mas desse jeito eu não ganho dinheiro, chefe.
- Tá legal, vá se foder.
- O que, chefe?
- Não, nada. Já sei de tudo o que precisava. OK, Dan, este aqui tá no
ponto. Parabéns. Dá o contrato, pega a assinatura dele, a letra é tão
miúda que nem vai conseguir ler. Acha que somos gente boa. Manda
correndo lá no endereço. O pessoal vai ficar encantado. Há meses que não arrumo melhor contador.”

Não é brilhante?

Crônica de um amor louco, caminha por entre hotéis baratos e sujos pelo Texas, a dias em que Buk mora de favor com uma senhora gorda, ou com um grande poeta francês. Caminha por entre os hipódromos, por entre apostas e dicas, por entre derrotas e lucros. Caminha por brigas, paixões, problemas com a polícia, sexo selvagem, hétero e homossexual. Buk explora uma série imensa de possibilidades, narrando aventuras que viveu, ou que outras pessoas viveram.

Em “O diabo em forma de gente”, temos uma crônica que narra um fragmento da vida de Martin Blanchard. Um homem de 45 anos, que já havia se casado duas vezes, divorciado, e tinha acabado de perder seu 27º emprego, por puro desinteresse.

O homem fica pela janela, observando o movimento e vê três criancinhas brincando. Dois garotos e uma garotinha, que devia ter uns 6, 7, 8 ou 9 anos, algo assim. Ela vestia roupinhas de criança, inocente, despreocupada. Mas, Martin Blanchard ficou excitado ao vê-la daquela forma, com sainha e babadinhos.

O homem embriagado saí de casa e vai até a garagem onde eles brincavam sozinhos. O resto você já pode deduzir. E sim! É tão ruim quanto você está pensando que é. A crônica é aterradora, mas tem o seu valor assim como todas as outras. Quero dizer, Buk nos faz pensar em uma caralhada de coisas – mesmo que não fosse sua intenção -, pensamos sobre o amor, sobre a beleza, sobre o trabalho, sobre Deus. E esse conto nos lança no mais profundo abismo, nos coloca diante de uma das situações mais repugnantes em que se é possível pensar, e é isso.

Crônica de um amor louco, é riqueza. É beleza. É como mergulhar num oceano de sentimentos, onde ondas de reflexão caem sobre você e quando você se ergue elas tornam a cair sobre você. O livro tem doses certeiras daquele bom e velho humor, tem momentos de emoção e tem momentos de choque. Buk te joga de lá pra cá e depois de cá pra lá e essa experiência, digo, essa experiência de ser tomado pelas mãos desse homem.... Sim. Essa experiência é marcante e única. E o melhor de tudo é saber que ele não escreveu tudo isso para todas as pessoas, ele escreveu por que precisava escrever, e com certeza sabia que seria odiado por uns e amado por outros.

Eu o imagino a pensar sobre os que o odeiam, com aquela mente bem-humorada e ácida. Talvez dizendo: Nunca foi para vocês.
Mas isso é só a minha imaginação. Fiquemos portanto, com suas palavras e seus textos. Mergulhemos, pois, neste universo cheio de amor, sexo, sujeira e sensibilidade.

Bukowski é grandioso, e Crônica de Amor louco é uma obra digna de seu autor.

You Might Also Like

0 comentários