Lo-Fi | Um Convite a Introspecção

junho 20, 2018


Há quase um mês eu escrevi a primeira versão desse texto. Ela começava mais ou menos assim: “Estou ouvindo Lo-fi há quase um mês”. Hoje estou reescrevendo esse texto e já são quase dois meses ouvindo lo-fi todos os dias. Se por acaso você estiver lendo esse texto muito tempo depois de sua publicação, faça a soma dos meses que estão entre publicação e leitura e você saberá a quanto tempo ouço Lo-fi.

Antes de qualquer coisa, acho que devo explicar um pouco sobre Lo-fi e a melhor forma de fazer isso é dizendo que Lo-fi é uma vertente musical que deriva, principalmente do jazz e do hip-hop. O que quero dizer com isso é que elementos desses dois gêneros, estão presentes em quase tudo que é produzido dentro do lo-fi. As melodias do lo-fi são majoritariamente originarias desses dois gêneros e se você já ouviu jazz ou hip-hop, vai conseguir notar esses elementos melódicos. Outro ponto interessante é que tanto o jazz quanto o hip-hop têm características muito “instrumentais” e até por isso, pouco do lo-fi é vocalizado, entende? Poucas músicas possuem letras e composições muito elaboradas.

Eu gosto de pensar essa vertente da seguinte forma: “O Lo-fi é como o barulho que abafa o ruído externo e promove o silêncio perfeito”. Parece uma puta loucura, eu sei, mas vamos um pouco mais afundo nesse pensamento.

Eu disse acima que o Lo-fi é muito mais batida e instrumentalização do que propriamente vocalização e composição, certo? Há no Lo-fi esses elementos rítmicos do hip-hop que marcam um compasso bem claro, uma batida constante e os elementos melódicos do jazz que compõe com graciosidade o som que está sendo ouvido. Dessa forma, quando você escuta o som é imediatamente imerso naquele microcosmos. É como se do início da música ao fim da música você estivesse surdo, mas não para o som no geral, surdo apenas para os ruídos externos que desconcentram e irritam. Se você consegue imaginar isso, também consegue entender a afirmação que fiz acima. Basicamente, é como se o lo-fi (o som) te deixasse surdo para tudo e criasse o silêncio do nada. Um silêncio.

É importante ressaltar essa sensação, essa experiência de silêncio sonoro, porque há no lo-fi enquanto vertente, um caráter extremamente introspectivo e reflexivo. As músicas são feitas para propiciar o ambiente perfeito para que você consiga entrar em contato consigo mesmo – e nem falo necessariamente de algum contato espiritual.


Pensando no mundo em que vivemos, é extremamente difícil nos encontrarmos sozinhos ou em ambientes silenciosos. Se você está em casa existe outro alguém querendo falar algo, ou um cachorro latindo ou um caminhão passando. Se você está no ônibus, são dezenas de pessoas ao seu redor. De certa forma, todas essas mudanças e evoluções roubaram de nós o “direito” de estarmos sozinhos. Nos tempos em que vivemos é loucura pedir silêncio, é loucura não querer conversar, é loucura se trancar num quarto para ler um livro ou ouvir um som. 

Isso revela muito sobre nós, enquanto humanos, já que na medida em que evoluímos e desenvolvemos novas tecnologias, tornamo-nos na mesma medida mais carentes. É como se o facebook, o responsável por nos aproximar, ou o WhatsApp, ou qualquer outra rede social, ao mesmo tempo que nos aproximasse, também nos deixasse ainda mais solitários – E aqui é importante entendermos a diferença entre solidão e solitude. Já que a primeira é entendida quase como um estado de agonia e tristeza, e a segunda entendida como prazer e plenitude em estar consigo mesmo.

É bizarro pensar sobre isso. Quero dizer, nós estamos sempre tentando estabelecer contato com os outros, de qualquer forma possível. Seja comentando “linda” na foto daquela amiga, pela milésima vez, ou discutindo algum tema bobo com outra pessoa, ou até criando mil grupos no WhatsApp. Não me parece exagero pensar que mesmo próximos uns dos outros (online), estamos cada vez mais solitários e voltando ao assunto do qual estamos conversando, já não existe mais silêncio e o Lo-fi funciona muito bem como esse abafador de ruídos, que ao abafar o ruído externo, também ecoa os vazios e medos que carregamos no mais íntimo do nosso ser, mostrando justamente esse caráter introspectivo.

Por muito tempo eu ouvi música clássica buscando esse efeito e de fato funcionava. A música clássica parece promover a concentração e também funciona eliminando os ruídos externos. Também pode ser uma opção para quem busca esse efeito. O que me faz gostar “mais” do Lo-fi é que ele é um fruto bom dessa árvore online que dá tantos frutos podres. 

Quando digo isso, me refiro ao fato de termos no lo-fi a união de várias mídias na formação de um produto cultural. Quando penso lo-fi, além do som extremamente marcante e característico, também me vem a mente, quase que no mesmo momento, os gif’s que formam o “videoclipe” da música e colaboram na criação dessa atmosfera mágica.

Essa união de mídias teve um papel fundamental no meu primeiro contato com esse estilo musical. Eu estava na home do Youtube e vi que a miniatura de um vídeo tinha o personagem Morty (Rick and Morty) e como fã da série, naturalmente fiquei interessado. O nome do vídeo era “F e e l l i n g s”, escrito dessa forma, com espaçamento entre as letras. Fiquei mais interessado ainda e quando finalmente cliquei, fiquei muito fixado no vídeo. 

A música começou e a batida era bem envolvente, leve e suave. Gostei muito do som, logo de cara. Mas, a parada que me manteve fixado mesmo foi o que estava rolando no vídeo. Era um gif animado com um recorte muito pequeno do desenho “A hora da Aventura”. Esse recorte fora editado com um filtro retro e com alguns “chuviscos” de televisão velha, saca? Dois personagens estavam sentados lado a lado e um deles dizia: “Man, i just want to go to sleep – Cara, eu só quero dormir” e fiquei impressionado por como aquela combinação, aquela simples combinação, poderia ter tanto poder, porque imediatamente eu me senti tomado por aquele ambiente e de certa forma, pude “ouvir” o silêncio que eu precisava “ouvir”. 

É evidente que essa “paixão” tem muito a ver com meu estado de espírito naquele momento específico. Eu não vinha andando muito bem há algum tempo. As coisas não caminhavam de forma saudável. Eu estava triste e bastante cansado, então eu consegui entender e me identificar com o drama daquele personagem que só queria dormir, só queria descansar, só queria desligar a máquina por algum tempo. E falando dessa união, a música não poderia ter sido mais eficaz na missão de me permitir pensar e descansar.

Essa experiência foi maravilhosa porque naquele momento eu me senti muito melhor. Era como se tivesse encontrado algo que estava faltando. Os dias que seguiram esse primeiro contato foram muito melhores. Tive alguns momentos ruins, naturalmente, mas as coisas melhoraram e eu sinto que não foi uma melhora “boba”, porque eu me lembro de ter me esforçado para lidar comigo mesmo. Enfrentar pensamentos, lidar com pressões e de certa forma o Lo-fi me deu uma nova força e uma “nova paz”. Não foi uma melhora que evita pensar, mas uma melhora que enfrenta os pensamentos, saca?

E sei lá, talvez isso reafirme o que tentei dizer acima.

É tanta coisa, o tempo todo, são tantas vozes e tantos gritos que nossas cabeças ficam sempre a ponto de implodir. Já disseram que sou muito duro ou egoísta, mas é sério, eu não quero e nem gosto de ouvir os problemas dos outros, porque eu já tenho meus próprios problemas e mal sei lidar com eles. Eu sei que as pessoas precisam falar, mas eu não sou a pessoa certa para ouvi-las.

Nós estamos cada vez mais carentes e solitários, isso é natural e talvez até seja irreversível. Nós vivemos com Smartphone's colados nas mãos, somos viciados nessa merda, nos alimentamos dessa droga que diz nos aproximar, mas só nos afasta. Você escolhe falar e gritar cada vez mais alto esperando que alguém te ouça, tudo bem, é uma opção, mas eu prefiro o silêncio e a solidão e se tudo der certo a solitude, não acho que minha escolha seja melhor, mas é assim que as coisas funcionam para mim.


Voltando a falar sobre o que é o Lo-fi, a origem do termo vem de “Low fidelity” que é justamente a ideia de se fazer música com baixo orçamento ou com nenhum orçamento. Nesse caso, não existe fidelidade aos meios convencionais de se fazer música. O compromisso é apenas com a própria música e consigo mesmo, no sentido de deixar que sentimentos e ideias fluam através do som. 

Eu gosto demais do nome dessa vertente, porque conversa muito com o que eu acredito e como me enxergo. O ser “Transgressor” passa muito por isso, por fazer e acreditar que existe algo em você que precisa jorrar para o mundo. Existe algo que borbulha dentro do seu ser e que precisa transbordar e sinceramente, não importam as complicações, não importa quantas pessoas vão ouvir o som ou quantas pessoas vão ler o texto, importa apenas deixar que o seu ser flua através das palavras e das melodias e das pinceladas e do que mais você quiser fazer.

A Arte tem esse papel antidepressivo, tem esse caráter libertador e tranquilizante que não nos deixa atrofiar. E nesse sentido, eu sou muito grato por aquelas primeiras pessoas que liam meus textos fofinhos e dramáticos e gostavam daquilo e comentavam nos meus posts, porque talvez se não fossem essas primeiras reações, esses primeiros leitores, esses primeiros textos horríveis, eu não teria conhecido a arte de escrever, a arte que me liberta, que me fornece escape, que me permite.

O Lo-fi talvez seja um gênero para os apaixonados, para aqueles que precisam deixar o seu “eu” jorrar, e cara, como eu amo esse tipo de arte, esse tipo de som, essa coisa que é feita com paixão, que é feita com pouco, que é feita com nada.

Falando de forma bem subjetiva, eu enxergo o lo-fi como um grande meio para toda a introspecção. Quero dizer com isso que, ao ouvir lo-fi você vai ter o ambiente e o convite para a sua introspecção. A música te dá isso, o vídeo te dá isso e tudo o que eu disse sobre o silêncio melódico também te oferece esse espaço de paz para mergulhar em si mesmo, ou até para lutar consigo mesmo.

Quando comecei a ouvir e pensar sobre o lo-fi, fiquei me questionando por quê os clipes eram feitos com gif’s bem tristes de desenhos animados. E sei lá, talvez exista uma explicação dentro da história do movimento, mas aqui, quero tentar pensar sobre isso de forma “autônoma”.

Os desenhos animados são elementos culturais historicamente compreendidos como produtos infantis, certo?

A partir disso vamos pensar primeiro, que esses gif’s são recortes tirados dos próprios desenhos, não são criados para os vídeos de lo-fi, ou seja, de certa forma as crianças estão tendo algum tipo de contato, com personagens que refletem os vários estados de espírito que enfrentamos. Personagens que estão deprimidos, que perderam a razão de viver ou que não compreendem a existência. E que bom que esses personagens “infantis” existem, que bom que as crianças têm contato com esses estados de espírito. Isso não vai tornar todas elas depressivas, fique calmo. Mas, talvez possa oferecer pontos de contato para crianças que ainda não compreendem porque estão tristes ou porque se sentem como se sentem. Isso com certeza as faz entender que aquilo que estão sentindo é natural, que elas não são estranhas e talvez até consigam encontrar formas de lidar com isso, seja conversando com alguém ou desenhando e criando coisas.

Segundo, muitos dos protagonistas desses desenhos não são humanos, alguns até tem a figura humana, braços e pernas, mas quase sempre há algum elemento absurdo e surreal para distancia-los e aproxima-los de nós, tudo ao mesmo tempo. Quando a figura é totalmente absurda não se tem problema algum com algumas formas de humor e representações emocionais mais complexas, ao mesmo tempo que, quando essas figuras absurdas manifestam sentimentos humanos acabam por gerar uma empatia igualmente absurda.

E pensando em todo o contexto, o Lo-fi promove esse espaço para introspecção. É uma música claramente reflexiva, os títulos sempre têm a ver com emoções, dramas e dificuldades humanas, como sentimentos, amor, cansaço, insônia, melancolia, nostalgia, enfim, quando esses desenhos surreais/antropomorfizados manifestam sentimentos e angustias humanas, acabam gerando uma série de reações emocionais que passam desde empatia até o desejo de se autocompreender, pois no momento em que você se identifica com o título, com a angustia do desenho e com a música já não há mais volta. Você é imerso em pensamentos e precisa enfrenta-los.

E para finalizar, pensando no porquê dos desenhos, acho que talvez tenha a ver com expor nossas angustias e sentimentos de forma simples, nos lembrando que não importa quão evoluídos tecnologicamente estivermos, continuaremos tendo que lidar com as crises e medos. Os desenhos, de certa forma, nos lembram justamente da nossa infância e talvez tracem algum paralelo sobre nossos estados de espírito e sobre as mudanças que enfrentamos da infância até os dias de hoje. Ou talvez, ver o Bart Simpson triste seja só um lembrete de que todos, todos, todos mesmo, ficam chateados e se sentem mal, até nossos companheiros de infância que sempre estiveram prontos a nos divertir. 


O Lo-fi foi uma descoberta maravilhosa. Uma descoberta que só tem me feito bem. É uma vertente que emana de vários gêneros musicais e que por si só é riquíssima, mas que conta com alguns outros recursos que nos dão algo que tanto nos falta. Silêncio e espaço para escutarmos a nossa própria voz.

A tristeza existe! E terminar o texto com essa simples afirmação pode parecer loucura, mas em um tempo em que todos precisam estar sempre felizes e animados, afirmar a existência da tristeza não é loucura, é só uma forma de lembrar a todos que TUDO BEM FICAR TRISTE e que mesmo não sendo eu a pessoa a te ouvir e te ajudar, você com certeza encontrará alguém, um amigo, um profissional, não importa, só saiba que a tristeza faz parte da vida e que de certa forma ela nos ensina muito sobre a felicidade.
F e e l l i n g s
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R e s t
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N o s t a l g i c
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N o s t a l g i c 2
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L o v e s i c k
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N o S l e e p
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One Night In T o k y o
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One Nigth In R i o

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