Sobre uma Paixão

janeiro 20, 2018





Eram três da tarde e Valdo já estava em pé no ponto de ônibus há quase 40 minutos.
− Essa porra não vai chegar nunca? – Ele resmungou para si mesmo.
− É a greve. – Respondeu uma senhora de pele leitosa e fios de cabelo tão brancos quanto se é possível.
− Foda-se a greve.
A velha não respondeu.
Dali, Valdo tinha como enxergar a rua toda e não havia nenhum sinal do ônibus. O valor do Uber estava na casa dos 30 mangos.
− Pro inferno com isso! – Resmungou.
O ônibus deu as caras virando a esquina lá embaixo. Dois pontos de ônibus vazios estavam entre Valdo e aquela lata de sardinha com rodas.
O Sol estava no topo do céu, queimando tudo sob ele, inclusive Valdo e aquela pobre senhora.
− Boa tarde. – Disse o motorista.
− Vai se fuder.
Quando se sentou, sentiu a camiseta grudando nas costas e as costas grudando no banco. Uma daquelas sensações que devem ser piores que a própria morte, mas que nos acostumamos a sentir, de forma que já não nos incomoda mais. Pelo menos não parece incomodar os outros, Valdo ainda tinha vontade de se jogar na frente do ônibus sempre que o via se aproximando.
Tirou “O Grande Gatsby” da mochila, colocou os fones e torceu para que o motorista estivesse em um daqueles típicos períodos de depressão, uma daquelas fortes o suficiente para o fazer acelerar feito um louco em direção à um poste ou carro na contramão.
− Oi Val. É.... Posso sentar? – Era Mariana, uma velha amiga.
− Tá. Senta aí.
− E então, quanto tempo, né?
− Olha, eu não quero ser rude, mas vou ler e ouvir música e nós não vamos conversar. Não precisa se dar ao trabalho. – Ele colocou os fones outra vez e abrindo o livro, deu fim àquela que seria mais uma conversa chata, sobre faculdade, trabalho e relacionamentos. Mariana era uma garota bonita, mas sempre conversava sobre as mesmas coisas. Valdo já tinha escutado essa conversa outras vezes e, em outras semanas, talvez até tivesse topado ouvir outra vez, mas não naquele dia.
Deviam faltar 5 minutos para o terminal da cidade. O ônibus estava cheio, e uma velha estava em pé ao lado de Valdo. Seus braços eram gordos e flácidos e suas pernas finas pareciam formar um arco sob o peso do enorme corpanzil idoso e cansado da velha.
Os olhos de censura logo encontraram alguém para julgar. Aquele mesmo olhar de juiz, que nós adoramos usar para identificar nossos próprios erros nos outros.
Valdo continuou sentado. Mariana estava dormindo.
Levantou os olhos da página e a velha parecia estar sumindo aos poucos, perdendo-se junto ao ar quente e disputado do ônibus. Seus olhos se cruzaram por um minuto, e Valdo sussurrou para ela:
− Eu não vou levantar, porque eu sei que você quer provar para todos esses filhos da puta que você consegue ficar em pé, que você pode suportar as lombadas e os buracos e até as freadas bruscas.
Seu encontro da semana era uma bela garota ruiva, com piercings, calça de cintura alta e camiseta de “Star Wars”, − Eu já estou te esperando há trinta minutos. – disse assim que o viu.
− Vai tomar no cu. – Valdo deu meia volta e entrou no ônibus outra vez.
Olhou a garota pela janela e a viu com aquela expressão vaga e confusa.
Era bonita, muito mais que Mariana jamais seria, mas em sua testa estava escrito em letras garrafais: Sou chata pra caralho.
Valdo não conseguiu o mesmo lugar em que sentara na vinda. Aquela velha havia se acomodado, e esticava os dedos das mãos e as pernas, como se tentasse relaxar as juntas enferrujadas que foram sobrecarregadas se segurando no ferro superior do ônibus. Ele só conseguiu um lugar no último banco, exprimido no canto. O ônibus parecia ter mudado de destino, apesar do letreiro frontal apontar “Éden”. Haviam tantos velhos que o destino certo era o asilo. Mas, deixou que o pensamento fosse embora, um dia também seria velho e provavelmente outro jovem idiota teria os mesmos pensamentos ao seu respeito. Não que isso importasse, mas a vida já estava bastante chata para se doar tempo, pensando sobre velhos, asilos e transporte público. Pelo amor de Deus.
Começou Olsen Olsen, Sigur Rós e pronto, era isso.
“Dua tiga kucing berlari,
mana nak sama si kucing belang,
dua tiga boleh kucari,
mana nak sama si adik seorang.”

Você deve ter uma música que parece ser uma esporrada da vida, bem direto na sua cara. A melodia, as vozes, os instrumentos, sabe? Como se aquele som fosse mágico e te enchesse com um combustível que não pode acabar, como se aquela música fossem os leões que estão te perseguindo na savana africana, e você sabe que tem que correr, você sabe que precisa correr, Olsen Olsen.
Valdo desceu alguns pontos depois e se sentia completamente outro. Colocou a música no repeat e ela já tocava pela terceira vez consecutiva. Havia um velho tentando subir no ônibus pela porta de trás, mas Valdo nem sequer o viu. Desceu pulando os degraus, atropelou o velho e então, correu, correu o mais rápido que pôde, correu até chegar à uma bela casa de esquina. Uma casa grande, com três andares e alguns carros na garagem.
− Fabiiiii! – Gritou. – Fabiiii!
Uma garota baixinha abriu a porta.
− Ela está ocupada agora.
− Ei, por favor. Me deixa entrar. Ela me conhece. Fala pra ela. É o Valdo. Me deixa entrar, vai. Por favor.
− Espera ai. Vou tentar falar com ela.
− Tá. Claro. É.... Vai lá. Eu.... tô aqui. Esperando.
A garota se virou e fechou a porta.
Alguns minutos depois, Fabi saiu acompanhada de um homem patético. Sapatênis, camisa social, calça desbotada, barba por fazer, aliança. Aquele tipinho fracassado de sempre, que irrita só de ver.
− Fabi, que bom te ver. É.... nós precisamos conversar.
− Você trouxe dinheiro? – Ela perguntou.
− É claro, Fabi. Toma aqui, 100 mangos.
− Certo queridinho, me dá 5 minutos pra tomar um banhozinho pra você.
Valdo já conhecia a casa, então entrou e foi direto para o quarto.
O lugar fedia a sexo. Aquele cheiro sufocante de suor e porra. Valdo não sabia se gostava ou não, mas não importava decidir isso naquela hora. Seu coração pulsava, e seu pau estava rijo, mas não era só tesão. Não. Era algum tipo de excitação que não tem relação com o sexo em si, era algo maior.
Fabi entrou enrolada na toalha e começou a se secar. Secou as tetas, o rabo e a buceta. Passou creme nas pernas e borrifou perfume no pescoço e nos peitos.
Ela estava deslumbrante, estava apetitosa, mas Valdo não queria comê-la. Não naquela tarde. Não naquele momento.
− Fabi, eu vim te levar embora.
− O que meu amor?
− Eu vim te levar embora daqui. Nós vamos pra longe!
− Ah bobinho! Como vai ser hoje?
− Não, me escuta! Vou levar você e seu filho embora. Nós vamos pra Argentina, vamos embora daqui. Sair desse inferno.
− Não é assim que funciona amorzinho.
− É sim. Eu tenho dinheiro e você não vai mais precisar fazer programas. Nunca mais.
− Você é só um garoto. Vamos deixar de papo e dar uma logo.
− Ei. Olha pra mim! – Ele segurou o rosto de Fabi com as duas mãos, e continuou: − Fabi, eu sou apaixonado por você desde os meus 14 anos. Eu nunca vou te esquecer, e nenhuma dessas garotas consegue me ganhar. É só você. Sempre foi só você. Eu já namorei, você sabe, e mesmo assim, mesmo estando com ela, ela era linda, gostosa, porra, mas sempre foi você. Eu sempre voltei pra você.
− Amorzinho, nunca te disseram pra não se apaixonar por uma puta?
− E que controle eu poderia ter sobre o meu coração? – Valdo estava prestes a chorar, mas precisava ser forte para ela. – Fabi, eu nunca tive escolha. Se foi Deus, o Destino, ou o Diabo, eu não sei. Mas, tudo o que sou e tudo o que quero ser, tem relação contigo.
− Amor. Eu acho você um docinho. Um amorzinho mesmo, mas você é meu cliente. Eu nunca quis que você se apaixonasse. Você sabe disso.
− Fabi, eu juntei desde quando comecei a trabalhar. Meu plano sempre foi ir embora com você e te dar uma vida melhor. Sempre foi esse o meu plano.
− Quanto você junto bebê?
− Eu tenho 8 mil reais. –
− Caramba docinho. É muito dinheiro!
− Eu sei Fabi. E só juntei tudo isso por nós. Vamos começar uma vida juntos.
− Val.... Eu tenho 31 anos, você tem 19. Eu tenho um filho. Isso não vai dar certo, é melhor você esquecer isso, ok?
− Eu te amo Val, como nunca amei e nem vou amar alguém. Você é tudo pra mim. Desde a primeira vez em que estive aqui, e você me ensinou tudo, e me deu carinho, e amor, e paixão e tudo. Merda! Eu nunca encontrei nada disso nessas menininhas, não quero nenhuma delas, não quero.
− Amor. Toma aqui os 100 mangos. Deixa eu tirar essa tua camiseta. Hoje você vai ficar comigo, ok? A noite toda e vai ser nossa última vez juntos. Eu quero que você pegue esse dinheiro e vá embora.
− O que? Como assim Fabi? Não entendi. Eu não vou a lugar nenhum sem você.
− Amor. – Ela o beija. – Amor, me escuta. Você vai pegar esse dinheiro e vai sair daqui. Esquece tudo o que você tem aqui na cidade. Eu vi num filme, que um garoto fez isso e sei lá, ele encontrou tudo o que precisava.
− Filme?
− É. Um filme... Como era o nome mesmo?
− Na natureza selvagem?
− É!!! Esse mesmo – Fabi confirmou batendo palmas.
− Ele morre sozinho, em um ônibus, no meio do nada.
− É, mas esquece isso. Não tô te falando pra ir pro meio do nada.
− Fabi, eu não quero ir pra lugar nenhum sozinho.
− Você pode ir pra Argentina, ou Chile, sei lá. Algum lugar que você precise aprender, sabe? Conhecer novas pessoas e tal
− Eu não quero ir, Fabi. Não posso mais ficar sozinho, estou enlouquecendo.
− Amor, eu sei que você não quer ficar sozinho.
− Eu não aguento mais ficar sozinho. Eu não consigo mais. Não tenho nada.
− Eu sei meu amor, eu entendo.
− Fabi, você não sabe. Você não sabe, Fabi.
− Acha que eu não sei? Eu cuido do meu filho, sozinha, sem o pai. Sem aquele filho da puta. Olha só pra mim. Essa é a minha vida.
− Fabi, eu quero te tirar daqui. Vamos embora. Tudo pode mudar.
− Val, você não precisa de ninguém. Faça o que eu te disse, e quando voltar me procure. Eu sei que você estará mais forte.
− E depois eu volto pra você, Fabi?
− Isso meu anjo, depois você volta pra mim.
O corpo dela estava frio, seus mamilos rijos e suas pernas exibiam uma depilação feita às pressas. Nada daquilo importava. Valdo seria o homem de Fabi por uma noite. Valdo seria o último homem dela naquela noite. Ela se deitaria com o rosto contra o seu peito, mas antes disso, eles transariam por horas, uma atrás da outra, até que não fosse mais humanamente possível suportar a penetração.
− Fabi, eu fui a pessoa mais sortuda do mundo quando te encontrei. Valdo disse quando ela estava sonolenta sobre seu peito.
− Eu também meu anjo, eu também. – Fabi sussurrou, e pegou no sono.
Valdo continuou observando-a, com o rosto subindo e descendo em seu peito. Sua pele nua contra sua pele nua. Coxa contra coxa. Os seios fartos e levemente caídos postos um sobre sua barriga e o outro ao lado, pendendo para junto do colchão. As unhas dos pés estavam metade vermelhas e metade brancas. Fabi era mulher pra ninguém botar defeito, e por mais que Valdo lutasse contra si mesmo, por mais que lutasse para ser antipático, solitário e o mais grosseiro possível, quando estava ali, quando estava naquela cama, com aquela mulher, ele não era o Valdo que manda velhos à merda, ele só era o mesmo garoto apaixonado que subiu naquela mesma cama, pela primeira vez, aos 14, sem passado, sem futuro, com nada além do presente sobre seus braços, com nada além de Fabi.


















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