O amor nos tempos de fúria | Lawrence Ferlinghetti

janeiro 15, 2018


Lá vou eu com minha paixão por bons títulos.... E Lawrence Ferlinghetti, sem dúvida sabe escolher bem seus títulos. Sua grande obra “Parque de diversões de cabeça”, tem esse nome maravilhoso, e “O amor nos tempos de fúria”, tem essa sobriedade poética que estampa sua capa. Sim. Títulos que me vendem obras, acredite ou não, as vezes isso acontece.

O amor nos tempos de fúria, tem como pano de fundo, a efervescente Paris de 1968. As ruas estão tomadas por estudantes, trabalhadores, artistas, músicos, todos unidos em protestos, marchas, discursos e uma espécie de “vandalismo-de-revolta”.

Paris foi o palco de uma das maiores greves da história. O Amor nos tempos de fúria, é, portanto, o resultado, ou a relação em si, entre Annie e Julien. Ela, uma pintora americana, apaixonada, romântica e idealista, e ele, um banqueiro português, cético quanto ao poder da revolução, mas apto à discursos inflamados e anárquicos em particular.

“ A ÚLTIMA VEZ QUE ELA VIU Paria quando cantaram aves belas foi de um trem expresso que seguia para o sul em 1968 nos dias da revolta estudantil, e foi quase o último trem que partiu, mas isso é mais adiante na história, que começou no fim de uma noite no La Coupole em Montparnasse quando alguém apresentou Julian Mendes a ela, e a partir dali se desenrola uma história de amor naqueles tempos de fúria.”

A trama, se desenrola por meio de longos diálogos entre os dois personagens, nos quais continuamos tendo as revoltas, marchas e protestos, em Paris, como plano de fundo. E o desenrolar da trama, nos apresenta a relação de Annie e Julien, de forma mais próxima. A paixão de Annie, e como Julien e sua segurança, parecem lhe encher de um bobo, mas gostoso sentimento cego. O problema, é que com o passar do tempo, Annie começa a se irritar com os múltiplos discursos de Julien, onde ele parece ser um fervoroso anarquista, que continua trabalhando em um banco, e continua gozando dos benefícios da vida burguesa, para ela, Julien é uma contradição.

Annie, é uma das responsáveis por atear fogo na revolução, mas a distância do namorado da ação versus a paixão contida em seus discursos, formam uma dualidade na vida de Julien, que começa a causar repulsa em Annie. Ela o coloca contra a parede, e a partir de então o livro ganha ritmo e os diálogos se tornam intensos e profundos. Encontramos Julien, sempre sombrio, enevoado e introspectivo, tentando lidar com o fervor de Annie em favor da revolta, sua paixão e com sua vida em geral.

“ Ah, a propósito, a Bolsa em si não estava pegando fogo, alguém tinha incendiado uma cabine telefônica e mais nada.... Mas Annie, falando sério, que benefício você acha que tudo isso vai trazer? Mesmo que tivessem conseguido reduzir a cincaz a maldita Bolsa, você acha que isso teria destrúido o coração de todo sistema, ou até mesmo todo o dinheiro e a palelada, sendo que quase tudo já foi guardado em lugares mais seguros há muito tempo? Na verdade, estou envolvido nisso....”

Poderíamos dizer, que o livro, além das revoltas e questões políticas, trabalha muito bem o tema das “Convenções sociais”, que eram atuais em 68 e são atuais hoje, e com certeza serão atuais para sempre, quero dizer, como lidamos com a imagem que as pessoas querem projetar sobre nós? Como nos apresentamos diante das pessoas? Somos sinceros ao expor nossas opiniões? Quando estamos diante de alguém que nos interessa de alguma forma, mudamos de opinião sobre os temas que a visão da pessoa difere da sua? O livro trabalha muito bem essas questões, apoiado justamente na vida dupla de Julien, e na fé de Annie no namorado, que aos poucos vai se acabando diante da falta de ação de Julien ante a revolta.

O livro também abre discussões sobre o valor social da arte, e como os artistas tem poder e até o dever de se posicionar, seja de forma pessoal, ou seja, através de seu trabalho – independentemente de qual seja a posição.

Enfim, Ferlinghetti tinha esse "pegada" política extremamente presente em suas obras. O amor nos tempos de fúria, tem como todo o escopo as revoltas de 68. O autor, tinha um envolvimento bastante íntimo com os temas. Foi um dos grandes nomes da “Geração Beat”, junto a Kerouac, Ginsberg, Burroughs etc....  Foi um grande poeta, e até hoje é muito respeitado nos Estados Unidos, por sua poesia, por sua prosa, seu ativismo e sua editora/livraria City Lights, em São Francisco, conhecida por publicar clássicos beat e ser uma espécie de “Recanto” para toda essa geração de autores e artistas.

Sua grande obra é “Parque de Diversões de Cabeça”. Recentemente terminei a leitura da obra, e só escolhi falar sobre “O amor nos tempos de Fúria”, por ser mais íntimo da prosa romântica, à poesia, no entanto, como o título mesmo propõe, Ferlinghetti nos leva para uma pequena jornada, onde sua cabeça é posta para brincar em ritmo, métrica, rima e arranjos diferenciados e estranhamente interessantes.

É uma leitura prazerosa e rápida. A escrita de Ferlinghetti é simples, direta e cheia de longos diálogos. Isso te põem dentro da ação, dentro do caldeirão francês de 68. Um período pouco explorado, mas muito rico. A discussão política e sobre convenções sociais, ultrapassam o fim da última página e como pensar é sempre bom, eis outro motivo para ler Ferlinghetti, para ler “O amor nos tempos de fúria”, para ler “Parque de Diversões de Cabeça”. A discussão não termina quando o livro acaba.

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