The Deuce | A Arte do Realismo Sujo

março 28, 2018


As ruas, as putas, os cafetões e o crescimento da indústria pornográfica... Parecem temas pesados para uma série de televisão? Você não viu nada! The Deuce é um projeto extremamente corajoso − por ser muito visceral −, e extremamente bem pensado, afinal, estamos falando de HBO e estamos falando de David Simon, um dos maiores responsáveis pela evolução das séries para televisão.

Em The Deuce, estamos acompanhando o surgimento/desenvolvimento da indústria pornográfica em Nova Iorque. Para trabalhar essa temática a série utiliza duas linhas principais e estabelece um elenco de coadjuvantes muito interessantes. Coadjuvantes bem escritos, que se desenvolvem e que, de forma orgânica, acabam interferindo no desenvolvimento dessas linhas principais a cada novo cruzamento. Essa forma de trabalhar subtramas e entrelaça-las pode não parecer novidade, mas saiba que foi David Simon e a Hbo que realizaram as primeiras grandes séries com essa marca narrativa.

A série é muito bem ambientada na década de 70. Aquela Nova Iorque exposta na série realmente existiu. Um lugar abandonado, cheio de desesperança e desespero. Um lugar cheio de limites sociais bem estabelecidos, onde os Cafetões cuidam de suas meninas, da sua maneira, com violência, intimidação, humilhação e você cuida das suas coisas e não se mete. Um lugar onde a polícia é corrupta, gângsteres agem nos bastidores, onde jovens do interior desembarcam em busca de sonhos e encontram dores e lutas.

Apesar de ser visualmente uma série muito agradável, − e aqui volto a ressaltar a ambientação da série −, o tema em si é muito duro e os personagens que compõe a série são pessoas muito machucadas. A vida nas ruas é muito brutal e os personagens precisam lutar por sua sobrevivência e pela sobrevivência de seus dependentes. A vida é assim, é dura e para pessoas que trabalham diariamente nas ruas isso tudo é amplificado. A série consegue transmitir isso com perfeição.

The Deuce tem um ritmo bem cadenciado. Suas linhas temporais são muito bem desenvolvidas, o que acaba tornando a experiência bem interessante. É uma evolução “lenta”, mas, a forma como os personagens são desenvolvidos, faz com que os 8 episódios da primeira temporada passem com fluidez, e deixem aquele gostinho de quero mais.

A HBO simplesmente é especialista em selecionar as pessoas certas para os papéis certos. O casting de The Deuce foi muito bom, desde a escolha de James Franco e Maggie Gyllenhaal, até as escolhas dos coadjuvantes dos coadjuvantes. A série tem aquela verossimilhança que torna tudo ainda mais grandioso. Os personagens complexos e as atuações muito positivas do elenco, fazem com que a sua preocupação com cada um deles cresça na medida em que eles se colocam em novas situações, seja tentando fugir da ação dos gangsteres, ou tentando fugir das ruas e da violência, não importa. Os personagens vão se desenvolvendo e você vai estreitando cada vez mais os laços, de forma que você passa a sentir muito a opressão de The Deuce.

The Deuce utiliza muito bem toda a linguagem cinematográfica na construção gradual do suspense e na conclusão dessa escalada. Os episódios são muito bem dirigidos, e eu particularmente gosto bastante dos episódios dirigidos por James Franco. Michelle MacLaren é a grande responsável por dar o tom da série, e o texto de David Simon sem dúvida nenhuma torna tudo mais fácil.

A utilização da nudez e da violência é dosada com perfeição. A série tem um ar de cinema, apesar de ser uma série para a tv, o que eu acho maravilhoso, tendo em vista que a década de 70 é recorrente nas produções cinematográficas, e agora temos mais uma ótima série ambientada nesse período, mas uma série que não se limitou em repetir temáticas de outros filmes e séries, mas escolheu tratar toda a opressão e dúvidas da época a partir de uma perspectiva diferenciada.

The Deuce é uma série muito interessante. Gosto da forma como a nudez e a violência são utilizadas para nos constranger, mas não constranger por conta do ato sexual ou da violência em si, mas nos constranger a respeito das várias formas de prisão e opressão demonstradas durante a série. É um constrangimento que não tem relação com os gemidos e orgasmos, mas que tem como objetivo nos fazer pensar a respeito das pessoas, da liberdade e das várias opressões disfarçadas de proteção e até mesmo de amor.

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